6.06.2009
O Amor
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Fernando Pessoa
3.13.2008
1.30.2008
Cidade
Uma cidade preenchida. cheia dos fantasmas que correm para cá e para lá. Dos Homens com seus fatos do trabalho e as mulheres fazendo barulho com os biquinhos dos saltos, ou estalar dos chinelos. Estalar dos chinelos.
Aprendi um estilo novo, bonito. Tudo o que se repete ganha mais ênfase, cuidado. Mesmo sem ser necessário. Sem ser necessário.
E a rua movimentada até cansa, mesmo estando eu sentada, no meu banco. Burburinho. Cicios.
Outra coisa que aprendi. Não conhecia a palavra Cicios. cicios... e achei-lhe pouca piada, embora quando a li tenha rido bastante. Mas não me apetece rir. Cicios não me dá vontade de rir.
Uma senhora apressada falava ao telemóvel. Qualquer coisa "prometo" blá blá "ok, combinado". Falando em vontade de rir, um pequenote de chupa na mão atravessa a correr e a rir a estrada. Não faz a mínima ideia do perigo que passa... Mas vai tão feliz! Vai tão feliz... E tanta felicidade reflectida é bonita de se ver, mesmo quando vem um camião atrás daquela carinha inocente. E a mulher apressada dá um berro... chama-o... pobre criatura. Pobre. Pobre e feliz. Feliz e a correr. A correr e com a boca doce e os dentes vermelhinhos do chupa que levava. Era de morango... Morango. Levam as mãos à cara, quase ninguém tenta não ver. E mesmo ao meu lado, um gato senta-se, a olhar. Olhava como se percebesse e se apercebesse do que se passava. E, tal como eu desviei o olhar, ele o desviou. E ficámos a olhar um para o outro, qual incidente na estrada. Há pressa, continuam a andar. Carros apitam, não querem esperar. É todo um emprego, uma casa, uma família que os esperam... A ambulância foi, os carros passam, o gato deixou-me naquela solidão acompanhada.
Solidão acompanhada... Não gosto de antíteses, acho-as estúpidas. Mas esta até é engraçada, porque vê-se e percebe-se perfeitamente o que quero dizer, o que estou a sentir.
E todos os dias àquela hora sento-me naquele banco. E vejo-os passar. Vejo passar pessoas, carros, horas, anos, casas, cães, gatos.
Mas a noite... a noite... A noite é especial, convidativa!
12.16.2007
Nova inquilina, nova posta
Que bicho curioso este! Não saía debaixo da cama, não era curioso como os da sua natureza. Não reagia, não resmungava... nada. E não ajudou a levantar.me da minha grande queda. E eu fiquei, estática e imóvel, a observá-lo. A mentalizar-me, a perceber e atentar uma recepção decente.
Mas não conseguia. Nem ele deixava.
Entretanto, arranjei coragem. Suspirei longamente e pus-lhe a minha mão à frente. Cheirou-a. E afastou-se. Fiz nova tentativa, quase a desistir. Mas ele ajusta-se! E faz investida na minha mão. Nada mal... Depois de umas festas, começa o ron-ron. Sem dentadas, sem uivos. Só ron-ron. Levanta-se, serpenteia e põe a cabeça à mostra, fora da cama. Então reparei, para grande espanto meu, que era menina e estava com brinde: bebés na barriga. Ora que porra! Porque é que não me disseram? Depois percebi que já tinham dito, o terror e os zuns-zuns na cabeça é que não me deixaram ouvir.
Enfim, ajudou-me a levantar com certa facilidade.
Então, devido à sua bondade e paciência, e à minha preserverança e chatice, fiz uma amiga nova. Não me foge, não me teme, e responde quando a chamo... a maioria das vezes. Tem nome, é Chica Laroca (Chica da mãe, Laroca da mãe e só bxbxbxbxbxx da terceira) e afinal não tem bebés. Tem gases. Mas há-de lhe passar. Descobri-lhe algumas características, físicas e psicológicas, que até me agradam, embora já tenha ralhado com ela! É esguia, salta bem, muito querida (raramente morde o que é de louvar), paciente e inteligente. Mas, como nada nem ninguém é perfeito (embora alguns cheguem lá perto), também tem os seus defeitos: medrosa, comilona, mal-cheirosa e afia as suas excelentíssimas unhas nas minhas almofadas que, a propósito, estão uma lástima. A culpa não é só dela, porque há quem não ralhe... Mas enfim, não sou a única mãe.
Portanto, há nova inquilina, o que implica, claro, nova posta.
11.11.2007
Encontros
Coragem para escrever, para venerar, para recordar. Para escrever alguém que não escrevi...
Coragem para perceber o que sinto e como sinto, como dizê-lo para que possam, enfim, enteder-me e desculpar a demora. Sei que ela desculpa, e isso é que me interessa.
A falta que uma pessoa faz deve ser desoladora, mas a falta de uma companheira de uma vida, é... angustiante. Ainda a vejo, recordo. Bela e sinuosa na sua finesa leve. Na manha de comida, atenção. Na necessidade das pedras e das festas, num sofá à noite, ou na cama.
Mas não, não morreu. Está cá, bem viva, bem dentro dos meus olhos. Transborda esta segunda mãe que, de tão chegada, nunca se foi e nunca irá! Não deixo. Prendo-a em mim, na minha cama, no corredor, no puff. Todos os dias a homenageio e sorrio, porque está, porque ronronou ontem e hoje e amanhã.
Por isso, boa noite nação, boa noite Tufa, até amanhã! E não te esqueças de vir enternecida, às 7.30h, enrolar-te nas pernas, ronronar, e agradecer por, afinal, só ter dormido e não morrido.
E fechem a porta, para ela não sair!
9.29.2007
Naturalmente
Os segundos passam, as horas passam.
Olhando para o vidro, vejo-te. Desfocada. As gotas da chuva molham a janela que nos separa. Subitamente, sinto-me na chuva também. Sinto-me ao teu lado, debaixo de ti. Fazes a chuva tão bonita.
Lembro o teu toque, o teu cheiro, a tua cor. O som do vento, quando por ti bate. Aquele som! Que me aquece a alma, acalma o coração. Esse som que celebra todo um nascimento da natureza que é tua, que é minha. De todos.
Dás-me abrigo. Dás abrigo a qualquer um e a qualquer coisa. Sem mim, não vives. Sou o teu alimento, o que te faz respirar e viver, firmemente presa ao teu mundo, que é o meu. E eu, sem ti, Não respiraria. Sem ti, não seria nada. És o meu sonho, o meu abrigo, o meu ar. Seguras o meu mundo e seguras-te a ele. Que é meu e teu.
Mas não estou perto de ti. Não te sinto, não te cheiro, não te oiço. Apenas vejo. No meio das nuvens que tapam o Sol e da chuva que limpa a alma, que sossega e conforta. E as gotas, na minha janela, vêem-te e prendem-se em ti. Seguras nelas e não as deixas cair ao chão. Sentes o seu sabor e sorris. Abrigas os pássaros e os bichos, que de ti comem. Que te consomem e usam. E tu sorris, Qual árvore imóvel. Sentes-te realizada e agradeces.