5.18.2007

Este é bonito. Ao lê-lo consigo imaginar o Álvaro de Campos, nesta ansiedade nocturna, espiando, esperando... Será que há mais pessoas assim? Serei um dia assim? Espero que não.
Enjoy it!
Catarina

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceito-andar...
Não oiço já passos no segundo-andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...
Vai tudo dormir...
Fico sozinho com o universo inteiro

Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino!
Antes, recluso,

Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel! - Demasiado rápido!
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco doi-me...
Vai tudo dormir...
Só eu velo, sonolentamente escutando,

Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa.
Álvaro de Campos, 9-8-1934